
A Trilogia das Muitas Pazes
A trilogia Muitas Pazes, publicada primeiramente em alemão entre 2008 e 2015, em inglês entre 2012 e 2018, em português desde 2018 mais o seu epílogo num volume separado de 2021 (até agora apenas em alemão), traça o desenvolvimento do conceito inicialmente pós-moderno de muitas pazes através da filosofia da paz transracional e da transformação elicitiva de conflitos para a praxis do mapeamento elicitivo de conflitos.
O epílogo, que foi escrito em vez de uma nova edição revista e atualizada dos volumes originais, e completa os passos das muitas pazes para pazear como atividade e procedimento dentro de uma visão imanente do mundo.

O volume 1, Interpretaçãoes de paz na história e na cultura (2018) baseia-se principalmente na filosofia pós-moderna proposta por Jean François Lyotard ou Richard Rorty, na etnologia interpretativa de Clifford Geertz e, sobretudo, na psicologia humanista de Abraham Maslow e Carl Rogers. Em primeiro lugar, aborda a interpretação do termo paz em diferentes contextos históricos e culturais, desde a antiguidade até à atualidade. No âmbito desta “arqueologia” pós-estrutural, são consideradas noções de paz selecionadas de todos os continentes. O livro estrutura estes exemplos selecionados em cinco grupos principais de interpretações que são despreocupadamente designados por “famílias da paz”: a energética, a moral, a moderna, a pós-moderna e a transracional.
A esta sinopse segue-se a elaboração da chamada abordagem transracional. Esta abordagem foi, na sua época, altamente inovadora para a disciplina, porque não exaltava nenhuma das interpretações da paz, com qualquer pretensão civilizadora, em detrimento das outras. Pelo contrário, levava a sério todas as interpretações que foram ou ainda são comunicadas nas realidades sociais. Além disso, a transracionalidade reconhece todas as conquistas da investigação científica e também considera todos os aspectos da natureza humana, demasiado humana, para além da mera razão, como relevantes para a percepção, compreensão, sentimento, vivência e experiência da paz nas relações humanas e para além delas. A paz não tem causa nem objetivo. O significado da paz é pazear.

O volume 2 (2024) trata da Transformação Elicitiva de Conflitos e a Virada Transracional na Política sobre Paz. O termo artificial elicitivo foi cunhado por John Paul Lederach na década de 1990. Com isso, ele se referia a uma abordagem ao trabalho de conflito aplicado, que espera que a energia transformadora dos conflitos está dentro da relação direta das partes envolvidas. Por conseguinte, a responsabilidade de terceiros é a disponibilização de espaços seguros e de estruturas de comunicação adequadas, mas sem cederem os seus próprios conhecimentos como se fossem pacificadores. Lederach distinguiu a transformação elicitiva de conflitos da resolução prescritiva de conflitos, em que a iniciativa, a experiência e o modelo do mediador desempenham o papel central. Das diferentes abordagens ao trabalho de conflito e à sua agenda, da diferente compreensão do papel das partes e do conflito em si, resultam métodos consideravelmente divergentes de trabalho de conflito aplicado.
A transformação elicitiva de conflitos é a consequência prática da filosofia da paz transracional. Este volume traça em pormenor esta virada paradigmática na interpretação e aplicação na diplomacia, nas operações militares de paz, na cooperação para o desenvolvimento e na economia.
Uma vez que a transformação elicitiva de conflitos, enquanto praxis internacional, exige pessoal com formação específica, este volume aborda ainda (apenas na sua edição original em alemão) os requisitos curriculares e didáticos para um estudo acadêmico e formação personalizadas para o trabalho elicitivo de conflitos. Mais informações sobre este tema em inglês podem ser encontradas em Transrational Perspectives in Peace Education.

O volume 3 (2018) da trilogia é sobre o Mapeamento Elicitivo de Conflitos (MEC). Com base nos princípios filosóficos e nas considerações metódico-didáticas dos volumes anteriores, esta terceira parte desenvolve no Mapeamento Elicitivo de Conflitos que é uma ferramenta prática de trabalho de conflito aplicado. Este inspira-se tanto na hierarquia de necessidades de Abraham Maslow como na comunicação não violenta de Marshall Rosenberg, no mindmapping de Tony Buzan, na pirâmide de conflitos de John Paul Lederach, na terapia centrada no cliente de Carl Rogers e até no Continental Staff System como esquema organizacional de estruturas militares e paramilitares no trabalho de paz civil. Acima de tudo, é claro, baseia-se na transformação elicitiva de conflitos como princípio do trabalho.
A ECM não é mais do que uma ferramenta e não pretende ser outra coisa. Ou seja, é uma opção para o trabalho prático com conflitos. Não é uma verdade, nem um caminho, nem uma norma. Está disponível onde pode ser aplicada de forma significativa e benéfica. Logicamente, este será sobretudo o contexto mais alargado das abordagens elicitivas.
Na primeira parte deste livro, o método é inspirado de outros mais antigos, estabelecido e descrito de modo a tornar a sua aplicação compreensível desde os conflitos individuais intrapessoais, passando pelos conflitos relacionais interpessoais, até à grande arena política em todos os seus contextos.
Na segunda parte do livro, o método é testado com a ajuda de exemplos concretos de aprendizagem que foram retirados de peças de teatro, cinema e literatura bem conhecidas, de forma a permitir que o leitor experimente estes exemplos à sua maneira.

O epílogo seguiu a trilogia Muitas Pazes sob o título alemão Der die das Frieden como um pequeno livro separado. Para além de atualizar e completar os volumes anteriores da trilogia, este volume apela, acima de tudo, a uma mudança do discurso orientado para o sujeito na investigação sobre a paz para uma linguagem orientada para a atividade e os procedimentos. Este apelo é fundamentado pela identificação da orientação para o sujeito como uma ferramenta obrigatória de dominação em todas as gramáticas europeias modernas desde o grego antigo, que tem servido e continua a servir a subjugação colonial de contextos não europeus.
As gramáticas orientadas para a ação e para o processo são usadas naturalmente em muitas línguas importantes, antigas e grandes em todos os continentes fora da Europa. Nestas línguas, pode dizer-se, de forma gramaticalmente correta, pazear. Isto pode dizer respeito tanto a contextos sociais entre indivíduos como a relações de grupos, à interação entre a espécie humana e a natureza que a rodeia e a todas as circunstâncias e processos da própria natureza.
Uma vez que a gramática limita o nosso pensamento sobre o mundo através de fronteiras sólidas, uma aplicação diferente das regras gramaticais pode abrir novas portas de percepção para compreender e agir. O staccato de graves crises nos domínios da política social, ambiental, educativa, alimentar ou médica – e não só – no continente europeu convida a transgredir o horizonte limitado do discurso da paz orientado para o sujeito.
Porque a paz, cantava o poeta austríaco André Heller já em 1982 para o movimento pacifista alemão da altura no seu epílogo,[1] não vem da mera reivindicação, mas apenas se a fizermos!
Quatro décadas mais tarde, o epílogo da trilogia Muitas Pazes afirma que, possivelmente, pazear só acontece se a permitirmos, percebermos e fizermos.
[1] Heller, Andre: Stimmenhören [EMI Electrola GmbH, Wien, LP 7-92246-1/ CD 7 92246 2] 1982.